Domingo literário: Visão Turva - Andre Kuhn

Hoje eu tenho prazer de inaugurar oficialmente o espaço "Domingo Literário" com o texto do meu amigo-escritor Andre Kuhn, Visão Turva. Nesse pequeno conto, você conhecerá Odair, um homem com grandes sonhos, mas uma vida uma pequena.


Para saber como ter o seu texto publicado aqui, veja as regras.

Visão turva 

André Kuhn

Odair estava satisfeito com a vida que levava. Ele entendia e agradecia toda a sorte que tinha. 
Tinha o emprego dos sonhos, trabalhava pouco, ganhava bem, sua conta tinha mais dinheiro do que podia gastar. Odair queria acordar deste emprego dos sonhos; dos sonhos dos pais. 
Seus amigos eram os melhores. Melhores entre eles, pois esqueciam sempre do pobre Odair. O quanto ele esperou e esperou e esperou por uma chamada no celular para uma visita, para uma saída, para um evento qualquer. O que restava fazer, Odair? Curtir as fotos nas redes sociais da melhor turma de todos os tempos. Ele, entretanto, não se importava a ponto de fazer escândalo. 
Sobre relacionamento? Odair não se lembrava da última briga e nem da última vez que tinham ficado dias sem conversar, mas também não se lembrava da última vez que tinham dormido juntos e nem do último dia dos namorados, afinal, esses fatos todos nunca tinham acontecido. Não com ele, não com Odair. 
O que acontece então para que Odair se sinta tão feliz? 
Analisando toda sua trajetória ele pôde ver seus trinta e tantos anos passados, e o futuro incerto. Podre Odair, tão solitário e tão vazio de coragem para dar um jeito na própria vida. Pensou “eu preciso trabalhar onde eu não gosto, apenas para satisfazer meus pais? Eu preciso me humilhar para os meus ‘amigos’ e ver eles se divertindo enquanto estou em casa, esquecido? Eu preciso idealizar um romance que não existe?”. E com todas essas questões na cabeça Odair deitou em sua cama, prevendo, para o dia seguinte, um dia de mudanças. 
O sol raiou e o despertador tocou. Odair bateu com a mão para silenciá-lo. Levantou, abriu a cortina e seu quarto iluminou por completo. Sentou-se na cama e observou seus doze gatos, todos dormindo no viveiro que ele montara ao lado de sua cama. 
Resolvido, felizmente. Tomou uma ducha, vestiu seu terno, tomou uma xícara de café e saiu decidido – mas não antes de tomar seu antidepressivo. 
Pensou “para onde estou indo mesmo? Ah, trabalhar”. E Odair foi trabalhar, naquela empresa do emprego dos sonhos. 

Um comentário:

  1. ai ai, quem não já se sentiu como o Odair... bonito texto! Parabéns.

    http://www.livrosterapias.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir